quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Autopsicografia


Autopsicografia
 
    O poeta é um fingidor.
    Finge tão completamente
    Que chega a fingir que é dor
    A dor que deveras sente.
 
    E os que lêem o que escreve,
    Na dor lida sentem bem,
    Não as duas que ele teve,
    Mas só a que eles não têm.
 
    E assim nas calhas de roda
    Gira, a entreter a razão,
    Esse comboio de corda
    Que se chama coração.
        

01.04.1931
Fernando Pessoa 
        Publicado in Presença, n.º 36, Novembro de 1932.
Fernando Pessoa, Obra Poética e em Prosa, ed. António Quadros. Porto, Lello & Irmão, 1986.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Gémeo

Sinto com dor a tua partida.
Conhecemo-nos há uns bons anitos, naquele lugar digno de muitíssimas histórias e peripécias que foi o Ciclo. Eras amigo de amigos meus, e entre o teu jeito bem-disposto, alegre e brincalhão e o meu louco, mal disposto e trocista, nasceu uma bonita, profunda e grande amizade.
Partilhamos muito em comum, como o mês dos anos, o primeiro e o último nome e o ar descontraído. Isso levou-nos ao título e ao meu apelido para ti, Gémeo. Porque eras como um irmão para mim.
Também desse tempo são horas de conversa, que tivemos, sentados no campo de baixo dessa mesma escola, das tardes aos entardeceres de Inverno e Verão.
As brincadeiras, os sorrisos, as gargalhadas, as vibração que eu tinha quando te via jogar futebol, o teres-me deixado pendurada no jantar de finalistas do ciclo porque tinhas ido ter uma rapariga que gostavas, seres a Madrinha, do chamares-me louca, mas alinhares na minhas loucuras… E poderia ficar aqui horas, a escrever infinitas linhas sobre as recordações que agora assolam a minha mente.
Mas o Mundo gira, as coisas mudam, as pessoas afastam-se, e nada volta a ser como era antes. É normal. A vida é assim. As coisas, é suposto, acontecerem assim. Os sentimentos mantêm-se. As pessoas são importantes não só pelo tempo que estão na nossa vida mas também, e muito, pela intensidade com que estão. Tudo conta. E tu tiveste o tempo e a intensidade.
Não queria estar triste mas estou. Não queria chorar, já o fiz. E tu conhecias-me e sabias que eu não sou destas coisas.
Assim viverás acesso no meu coração e imortalizar-te-ei em recordações e amizade.
         André Pereira

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Lugares Estranhos

Tenho um amigo que me diz com frequência a seguinte frase: “Pessoas são lugares estranhos”. Eu aceno-lhe positivamente com a cabeça e olhar longinco, concordando mais profundamente com aquela frase do que pode parecer, sendo que ela é uma verdade quase absoluta. Não a sendo totalmente, porque bem, essas não existem…
Não há pessoa que entre na nossa vida, e fique o tempo que ficar, e não seja importante, que não nos marque, que não nos ensine, ou que nós não gostemos e criemos um carinho especial. Afinal deixamo-la entrar e ficar, se não fosse porque para nós tem alguma coisa de especial, isso não aconteceria. Cada pessoa cria em nós sentimentos, diferentes sempre, porque todas as pessoas são diferentes.
Mas as pessoas vêm e vão, e o giro, o engraçado e estranhamente irónico, é que na maioria das vezes o sentimento que temos por elas não vai e vêm, fica cá, guardado no coração e marcado pelas boas recordações. Porque as pessoas tornam-se importantes pelo sentimento que criam em nós.
Hoje recordo com saudade uma dessas amizades, daquelas em que as pessoas se distanciam, mas que em determinada altura foram tão importantes, que o sentimento permanece cá ligeiramente adormecido. Porque enquanto tudo está bem, tudo está bem, mas quando as coisas ficam mal, a tormenta de emoções aparece, sugando-nos e envolvendo-nos num vórtice, que nos faz aperceber o quanto ainda temos carinho por essa pessoa.
E que por mais longe que ele esteja, não queremos perde-lo. Supostamente a amizade já se perdeu, o laço já se rompeu, como posso eu ter medo de perder um amigo que ficou distante, com quem deixei de falar, de gargalhar, de partilhar os problemas, que estará com certeza muitíssimo diferente daquilo que era, como?
Pois bem, não sei explicar, mas acontece. Será a nostalgia dos velhos tempos? Será o positivismo que essa pessoa teve na nossa vida? Não sei, mas algo, com certeza, será. E algo grande, e algo importante. 
Eu não sou uma pessoa especialmente sentimental, e talvez por isso, este estranho sentimento me provoque tal estranheza. Sou fria por natureza e o meu coração trabalha de forma estranha. Mas vou deixa-lo estar, porque bem, é sinal que eu me importo com as pessoas.