quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Autopsicografia


Autopsicografia
 
    O poeta é um fingidor.
    Finge tão completamente
    Que chega a fingir que é dor
    A dor que deveras sente.
 
    E os que lêem o que escreve,
    Na dor lida sentem bem,
    Não as duas que ele teve,
    Mas só a que eles não têm.
 
    E assim nas calhas de roda
    Gira, a entreter a razão,
    Esse comboio de corda
    Que se chama coração.
        

01.04.1931
Fernando Pessoa 
        Publicado in Presença, n.º 36, Novembro de 1932.
Fernando Pessoa, Obra Poética e em Prosa, ed. António Quadros. Porto, Lello & Irmão, 1986.

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